A confusão entre paciente e usuário é uma realidade no Sistema Único de Saúde (SUS). A condição do adoecimento e o sofrimento acoplado não são levados em conta quando se reduz essa experiência àquela pela qual passa o usuário de um serviço de saúde. É sabido que a experiência do adoecimento é muito mais complexa e transformadora do que a de a se acessar um serviço, seja de saúde ou qualquer outro.
Verifica-se, no âmbito do SUS, a ideia disseminada de que ao se excluir o termo “paciente” se confere ênfase a uma perspectiva “cidadã”, “não passiva” ou “coletiva”. Essas perspectivas são válidas e não precisam concorrer com a perspectiva que sustenta a necessidade de se reconhecer o paciente e a condição singular do adoecimento. Do mesmo modo, a perspectiva do usuário não tem léxico, nem ferramentas para dar protagonismo ao paciente, na medida em que não dialoga com as abordagens do Cuidado Centrado no Paciente, dos direitos do paciente, da Tomada de Decisão Compartilhada e com outras que partem do mesmo pressuposto, o cuidado em saúde deve ser centrado no paciente.
Sustentar o uso do termo “paciente”, entendendo-o como não sucedâneo do “usuário”, é se comprometer com um novo modelo de cuidado, que se caracteriza como biopsicossocial e fundamentado na cultura de parceria entre profissionais, pacientes e familiares. Note-se que endossar o direito à saúde de todos e a participação social dos usuários dos serviços de saúde não substitui o reconhecimento de que os pacientes possuem direitos enquanto tal, como o direito ao consentimento informado, o direito à informação, o direito à segunda opinião, o direito ao prontuário e o direito de participar da tomada de decisão. No mesmo sentido, a participação social de pacientes e familiares na Avaliação de Tecnologia em Saúde distingue-se da participação dos usuários, cujos interesses são distintos dos pacientes e de familiares, que são movidos pela premência do adoecimento e muitas vezes pelo risco de morte.
É preocupante a ausência do paciente nas políticas públicas de saúde e das instâncias participativas do SUS. Para além da importância dos Conselhos de Saúde, esses possuem escassa participação de pacientes e familiares e muitas vezes a sua representatividade é feita por profissionais de saúde ou pessoas de movimentos sociais que não vivenciam experiencias particulares de adoecimento. Precisamos no SUS, incluir a perspectiva do protagonismo e do empoderamento do paciente, ultrapassando a visão coletiva de saúde, isto é, o SUS envolve não apenas promoção da saúde, mas também o cuidado do paciente, que não pode ser percebido apenas do ponto de vista coletivo, desconsiderando a sua individualidade e sua experiência particular do adoecimento.
Há um movimento global, alavancado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em torno da participação e do engajamento do paciente. Hoje, há um consenso de que o cuidado em saúde deve ser de qualidade e seguro, logo, centrado no paciente e ajustado aos seus direitos. No ano passado, a OMS lançou a Carta de Direitos da Segurança do Paciente, na qual são elencados 10 direitos do paciente. O SUS não pode ficar apartado desse movimento global, que se fundamenta nos direitos humanos, e confere protagonismo ao paciente, por meio da alteração das leis, de campanhas e da adoção de ferramentas e intervenções, tais como Tomada de Decisão Compartilhada, Ajudas Decisionais, Disclosure, Apoios de Tomada de Decisão, Diretivas Antecipadas, Planos Avançados de Cuidado e outros. Surpreende o fato de que, no século XXI, o paciente não tenha voz no ecossistema de saúde, mas podemos superar essa distorção, e um dos passos nessa direção consiste em refutar o apagamento da condição de paciente.