Conheça a decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos sobre consentimento informado

Atualizado em 11/03/2022
Por Aline Albuquerque

Conheça a decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos sobre consentimento informado

Atualizado em 11/03/2022
Por Aline Albuquerque

Conheça a decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos sobre consentimento informado

Aline Albuquerque 

Luis Reyes Jimenez, quando tinha seis anos de idade, foi atendido no Hospital universitário público de Múrcia, Espanha. Ele foi submetido a uma varredura cerebral, que mostrou a presença de um tumor no cérebro. Ao 18 de janeiro de 2009, o paciente deu entrada no Serviço de Urgência com uma condição de saúde grave. Após sua admissão, foi realizada uma cirurgia no dia 20 de janeiro, seguida de uma segunda cirurgia em 24 de fevereiro de 2009, e de uma terceira operação de emergência no mesmo dia. O estado de saúde física e neurológica do paciente deteriorou-se severa e irremediavelmente. Luis Reyes Jimenez,  atualmente, se encontra em estado de total dependência, ele sofre de paralisia geral que o impede de se mover, comunicar, falar, ver, mastigar e engolir. Ele está acamado, incapaz de ficar de pé ou se sentar. 

Em 24 de fevereiro de 2010, tendo em conta que os pais do paciente consideraram que a equipe médica foi culpada de negligência profissional e que houve falhas na obtenção das informações e do consentimento correlato, em particular, em relação à segunda operação cirúrgica, foi dado início a um processo administrativo. O processo foi aberto perante o Departamento de Saúde e Política Social da Região de Múrcia visando responsabilizar financeiramente o Estado por disfunções no sistema de saúde público. Reivindicaram um montante de 2.350.000 euros de indenização. 

Em 28 de outubro de 2011, em face da ausência de qualquer resposta ao requerimento administrativo, os pais interpuseram um recurso para o tribunal administrativo. Aos 20 de março de 2015, o Tribunal Superior de Justiça de Múrcia indeferiu o pedido, decisão que foi objeto de recurso. O recurso dos pais foi indeferido pelo Superior Tribunal em 9 de maio de 2017. Em seguida, interpuseram um recurso de amparo, ao qual o Tribunal Constitucional negou provimento sob o fundamento de que não tinha relevância constitucional. 

Decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos 

A Corte Europeia de Direitos Humanos estabeleceu que as disposições da lei espanhola sobre autonomia do paciente e direitos e obrigações na esfera da informação exigem explicitamente que os médicos forneçam aos pacientes informações preliminares relevantes e adequadas para garantir o consentimento informado relacionado às operações cirúrgicas. Essa informação também deve abarcar os riscos inerentes à intervenção médica.

 Esse regramento legal espanhol se coaduna integralmente com a Convenção de Direitos Humanos e Biomedicina (Convenção de Oviedo), adotada pelo Conselho da Europa em 1997. Além disso, as disposições legais espanholas estipulam que para cada um dos atos médicos indicado, o consentimento informado deve ser dado por escrito, com algumas exceções, particularmente quando há um perigo iminente e grave para a vida do paciente ou o paciente ou sua família não podem consentir. 

Neste caso, os pais do requerente apresentaram as suas queixas aos tribunais nacionais, enfatizando, entre outras coisas, o fato de que nenhum tipo de consentimento válido havia sido obtido antes da segunda operação. 

A Corte observou que os tribunais nacionais argumentaram que a segunda operação estava relacionada à primeira, e que os pais estiveram em contato com os médicos entre as duas operações. A Corte notou, em particular, que os tribunais nacionais não apresentaram nenhuma razão pela qual o consentimento informado para a segunda operação satisfez a condição estabelecida na lei espanhola considerando que cada ato cirúrgico exige um consentimento por escrito separado. Embora ambas as operações tivessem o mesmo objetivo de remover o tumor cerebral, a segunda havia sido realizada em data posterior, após parte do tumor já ter sido retirada e quando o estado de saúde da criança já havia se agravado, quando comparado com o da primeira operação. 

A Corte observou que a segunda operação não foi de urgência, pois foi realizada quase um mês após a primeira. Deve-se assinalar também que a terceira operação na criança se mostrou necessária por razões de emergência, após complicações que surgiram durante a segunda operação. O consentimento dos pais foi então obtido por escrito, o que se distingue da falta de consentimento escrito para a segunda operação. 

A Corte já havia enfatizado a importância do consentimento do paciente e o fato de que a não obtenção do consentimento pode ser equiparada à violação da integridade física do paciente. Qualquer violação pela equipe médica do direito do paciente de ser devidamente informado pode envolver a responsabilidade estatal. No caso em apreço, a Corte considerou que as questões levantadas pelos pais do requerente sobre questões importantes relativas ao consentimento e à possível responsabilidade dos profissionais não foram devidamente apreciadas pelo Poder Judiciário da Espanha.   

A Corte considerou que as sentenças internas proferidas pelos tribunais e pelo Superior Tribunal de Justiça de Múrcia Tribunal de Justiça, até ao Supremo Tribunal espanhol, não responderam adequadamente ao requisito legal espanhol de obter consentimento por escrito em casos como este. A lei espanhola exige o consentimento informado do paciente por escrito, e os tribunais espanhóis não explicaram o motivo pelo qual consideraram que a falta de consentimento por escrito não violou os direitos do requerente. 

A Corte concluiu que houve, portanto, uma violação ao artigo 8 da Convenção Europeia de Direitos Humanos em razão da interferência na vida privada do requerente. 

Conheça a decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos sobre consentimento informado

Aline Albuquerque, aqui no Blog.
Professora do Programa de Pós-Graduação em Bioética da Universidade de Brasília. Coordenadora do Observatório Direitos do Paciente da Universidade de Brasília. Pesquisadora Visitante na Universidade de Oxford. Pós-doutorado pela Universidade de Essex. Doutorado em Ciências da Saúde. Autora dos livros Bioética e Direitos Humanos, Direitos Humanos dos Pacientes e Capacidade Jurídica e Direitos Humanos. Membro da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente. Membro do Comitê Hospitalar de Bioética do Grupo Hospitalar Conceição e do Comitê Hospitalar de Bioética do Hospital de Apoio de Brasília. Membro do Redbioética da UNESCO.

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