Nesta semana, uma reportagem da Folha S. Paulo, de Cláudia Collucci, tratou do caso de uma paciente oncológica que desistiu do tratamento quimioterápico do câncer de ovário. A reportagem enfatizou a dificuldade do médico de entender que a desistência da quimioterapia não expressava a falta de vontade de viver da paciente, mas sim a sua busca por qualidade de vida. Também foi levantado o fato de que muitos pacientes oncológicos têm desistido do tratamento quimioterápico em decorrência de seus efeitos colaterais, embora a maioria ainda decida por mantê-lo seja por ter esperança de cura, pela confiança na avaliação dos médicos ou por receio de desagradar seus familiares.[1]
A reportagem da Folha S. Paulo confere visibilidade a um tema de extrema importância para os direitos dos pacientes, qual seja o direito de recusa de tratamentos e procedimentos. No nosso país, causa um estranhamento de profissionais de saúde e de familiares quando o paciente toma a decisão de não se tratar mais de forma curativa e de recorrer aos cuidados paliativos, privilegiando sua qualidade de vida e bem-estar. Essa recusa do paciente do tratamento quimioterápico é encarada, muitas vezes, como uma negativa de viver ou fraqueza em face da doença. Além disso, pode-se dizer que ainda não é uma prática corrente, no país, os oncologistas reconhecerem o direito à recusa do paciente, validando a sua decisão. Mas, quando se entende que os cuidados oncológicos não consistem em uma “luta contra o câncer”, mas sim num amálgama de postura, ações e disposição direcionado ao atendimento das necessidades do paciente, transforma-se a visão sobre a recusa. Assim, passa-se a perceber a recusa do tratamento quimioterápico como uma expressão da aceitação da própria condição e de vontade de viver, cujo sentido do que seja estar vivo foi construído pelo paciente ao experienciar a doença de forma singular.
Ao se enunciar para o paciente oncológico o seu direito de recusar tratamentos e procedimentos, abre-se uma alternativa de caminho, aumentando seu leque de opções, ao passo que negar tal direito, restringe o campo de decisão do paciente, constringindo mais a sua vida, já limitada pela doença. Os cuidados oncológicos são sempre complexos e desafiadores, assim, ao se ajudar o paciente a perceber que a sua condição não precisa necessariamente implicar uma vida sobrecarregada de sofrimento, de dor e de efeitos colaterais indesejados, os médicos estarão ao lado do paciente, em seu caminho na direção de uma vida plena de significado, que emerge da sua experiência única de conviver com um câncer.
[1] FOLHA DE S. PAULO. Mulher desiste de tratar câncer de ovário com quimioterapia. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/02/desisti-de-me-expor-a-tratamentos-ineficientes-diz-mulher-com-cancer-que-interrompeu-quimioterapia.shtml. Acesso em: 15 fev. 2023.