Marco histórico no Direito do Paciente: Direito à Vida Privada

Atualizado em 26/09/2024
Por Nelma Melgaço

Marco histórico no Direito do Paciente: Direito à Vida Privada

Atualizado em 26/09/2024
Por Nelma Melgaço

Marco histórico no Direito do Paciente: Direito à Vida Privada

STF reafirma a autonomia do paciente na tomada de decisões sobre a recusa de tratamentos médicos.

Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou a autonomia dos pacientes na escolha de seus tratamentos nos cuidados em saúde, especialmente quando a liberdade religiosa está em questão. No dia 25 de setembro, o tribunal decidiu que pacientes adultos e capazes têm o direito de ter suas escolhas respeitadas, além de estabelecer que o Estado deve arcar com os custos de tratamentos alternativos para aqueles que, por motivos religiosos, recusam procedimentos como a transfusão de sangue.

No Recurso Extraordinário 979.742, o STF determinou que a União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus devem custear procedimentos cirúrgicos para pacientes que, por convicções religiosas, recusam tratamentos que envolvam transfusões de sangue. Essa decisão é especialmente significativa para grupos como as Testemunhas de Jeová, que rejeitam transfusões com base em sua interpretação de textos bíblicos, por exemplo, Atos 15:28, 29, onde consta a ordem apostólica: “Persistam em abster-se de sangue.”

No julgamento do Recurso 1.212.172/AL, o STF reafirmou que um paciente adulto pode decidir optar por tratamentos que não utilizem transfusão de sangue em razão de sua consciência religiosa.

Destaca-se o entendimento do relator do processo, ministro Gilmar Mendes que “o direito à vida não é prestigiado pela interferência do Estado em uma decisão fundamental na vida de um cidadão. Este possui liberdade para optar ou não pela submissão ao tratamento médico-hospitalar recomendado. Na realidade viver sem autonomia para ditar os rumos da própria vida significaria um menosprezo ao direito à vida. O direito à liberdade religiosa e a auto determinação permitem a direção da própria vida de acordo com suas condições, suas opiniões e seus valores por mais e irrazoáveis e imprudentes que possam ser respeitados, obviamente, a esfera jurídica de terceiros”. Fica evidente no comentário do excelentíssimo Ministro, que o Estado não pode obrigar o paciente a determinado tratamento a despeito de sua autonomia e das suas escolhas existenciais.

A questão envolvendo as Testemunhas de Jeová vai além do reconhecimento da liberdade religiosa, o cerne da questão sob às perspectivas do Direito do Paciente e dos Direitos Humanos, é a autonomia individual, o direito à autodeterminação, e o direito à vida privada. Conforme salienta Albuquerque1 o direito do paciente recusar tratamento se entrelaça com uma série de direitos humanos, consistindo inclusive, na expressão do direito à integridade pessoal, na medida em que a adoção de procedimento médico sem consentimento infringe a regra da inviolabilidade do corpo humano. O fundamento da inviolabilidade da vida privada (inciso artigo 5° da CF/88) está no princípio da não ingerência e traz em si a liberdade negativa do indivíduo, ou seja, significa a não interferência dos outros nos assuntos da vida e do corpo de cada um, comando este fundamental para salvaguardar as escolhas pessoais da ingerência do Estado e da sociedade. Ademais, o direito ao respeito pela vida privada ou direito à privacidade, abarca o direito à integridade pessoal, tanto física como psicológica, e o direito à autodeterminação.

As decisões do STF, em 25 de setembro de 2024, marcaram um avanço significativo na garantia do direito do paciente e na promoção de um sistema de saúde mais inclusivo e respeitoso. Com o progresso das técnicas médicas e o fortalecimento da autonomia dos pacientes, a expectativa é de que um número crescente de hospitais adote práticas que respeitem as escolhas individuais ou a vida privada, promovendo maior segurança e confiança tanto para os profissionais de saúde quanto para os pacientes.

1 Albuquerque, Aline. Manual de Direito do Paciente. v. 1. São Paulo: CEI, 2020.

Marco histórico no Direito do Paciente: Direito à Vida Privada

Nelma Melgaço, aqui no Blog.
Advogada com experiência na área da saúde há mais de 14 anos. Especialista em Bioética Clínica pela Redbioética da UNESCO. Membro do Comitê Hospitalar de Bioética do Hospital de Apoio de Brasília e membro da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/DF.

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