STF reafirma a autonomia do paciente na tomada de decisões sobre a recusa de tratamentos médicos.
Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou a autonomia dos pacientes na escolha de seus tratamentos nos cuidados em saúde, especialmente quando a liberdade religiosa está em questão. No dia 25 de setembro, o tribunal decidiu que pacientes adultos e capazes têm o direito de ter suas escolhas respeitadas, além de estabelecer que o Estado deve arcar com os custos de tratamentos alternativos para aqueles que, por motivos religiosos, recusam procedimentos como a transfusão de sangue.
No Recurso Extraordinário 979.742, o STF determinou que a União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus devem custear procedimentos cirúrgicos para pacientes que, por convicções religiosas, recusam tratamentos que envolvam transfusões de sangue. Essa decisão é especialmente significativa para grupos como as Testemunhas de Jeová, que rejeitam transfusões com base em sua interpretação de textos bíblicos, por exemplo, Atos 15:28, 29, onde consta a ordem apostólica: “Persistam em abster-se de sangue.”
No julgamento do Recurso 1.212.172/AL, o STF reafirmou que um paciente adulto pode decidir optar por tratamentos que não utilizem transfusão de sangue em razão de sua consciência religiosa.
Destaca-se o entendimento do relator do processo, ministro Gilmar Mendes que “o direito à vida não é prestigiado pela interferência do Estado em uma decisão fundamental na vida de um cidadão. Este possui liberdade para optar ou não pela submissão ao tratamento médico-hospitalar recomendado. Na realidade viver sem autonomia para ditar os rumos da própria vida significaria um menosprezo ao direito à vida. O direito à liberdade religiosa e a auto determinação permitem a direção da própria vida de acordo com suas condições, suas opiniões e seus valores por mais e irrazoáveis e imprudentes que possam ser respeitados, obviamente, a esfera jurídica de terceiros”. Fica evidente no comentário do excelentíssimo Ministro, que o Estado não pode obrigar o paciente a determinado tratamento a despeito de sua autonomia e das suas escolhas existenciais.
A questão envolvendo as Testemunhas de Jeová vai além do reconhecimento da liberdade religiosa, o cerne da questão sob às perspectivas do Direito do Paciente e dos Direitos Humanos, é a autonomia individual, o direito à autodeterminação, e o direito à vida privada. Conforme salienta Albuquerque1 o direito do paciente recusar tratamento se entrelaça com uma série de direitos humanos, consistindo inclusive, na expressão do direito à integridade pessoal, na medida em que a adoção de procedimento médico sem consentimento infringe a regra da inviolabilidade do corpo humano. O fundamento da inviolabilidade da vida privada (inciso artigo 5° da CF/88) está no princípio da não ingerência e traz em si a liberdade negativa do indivíduo, ou seja, significa a não interferência dos outros nos assuntos da vida e do corpo de cada um, comando este fundamental para salvaguardar as escolhas pessoais da ingerência do Estado e da sociedade. Ademais, o direito ao respeito pela vida privada ou direito à privacidade, abarca o direito à integridade pessoal, tanto física como psicológica, e o direito à autodeterminação.
As decisões do STF, em 25 de setembro de 2024, marcaram um avanço significativo na garantia do direito do paciente e na promoção de um sistema de saúde mais inclusivo e respeitoso. Com o progresso das técnicas médicas e o fortalecimento da autonomia dos pacientes, a expectativa é de que um número crescente de hospitais adote práticas que respeitem as escolhas individuais ou a vida privada, promovendo maior segurança e confiança tanto para os profissionais de saúde quanto para os pacientes.
1 Albuquerque, Aline. Manual de Direito do Paciente. v. 1. São Paulo: CEI, 2020.