A revolução do paciente no Brasil

Atualizado em 16/08/2024
Por Aline Albuquerque

A revolução do paciente no Brasil

Atualizado em 16/08/2024
Por Aline Albuquerque

A revolução do paciente no Brasil

A Revolução do Paciente é uma expressão que surgiu no artigo sobre a temática, de 20131, liderado por Tessa Richards, médica generalista e defensora contundente da participação do paciente, do qual participou o atual líder do movimento global “A Revolução do Paciente”, Victor Montori. Em 2017, Montori lançou o livro “Why we Revolt: a patient revolution for careful and kind care2, cujo cerne é a transformação dos cuidados em saúde de industriais em cuidados “zelosos e gentis”.3

Em 2021, novo artigo sobre a Revolução do Paciente foi publicado. Neste artigo, realça-se o fardo carregado por profissionais, pacientes e cuidadores, que deriva da industrialização do cuidado em saúde, caracterizada pela corrupção da missão das organizações de saúde, que passaram a focar em objetivos financeiros e operacionais. Essa industrialização causou a sua patologização, que se expressa em quatro fenômenos entrelaçados: fardo excessivo, borrão, crueldade e pressa. A pressa dos profissionais causada por imperativos financeiros e operacionais leva a uma relação superficial com os pacientes, na qual esses são vistos como um borrão, ou seja, não são percebidos de forma nítida, em sua singularidade. Quanto ao fardo excessivo, os pacientes e profissionais estão sobrecarregados, os primeiros pelas exigências que lhes são feitas por profissionais e sistemas de saúde, como as de alterar estilos de vida, navegar sem informação nos serviços de saúde e arcar com os custos do seu tratamento, e os profissionais estão sobrecarregados pela carga de trabalho e demandas operacionais. A crueldade, embora eu não concorde com esse termo, é empregada pelo referencial da Revolução do Paciente para fazer alusão a cuidados que não são seguros e efetivos.4

A patologização do cuidado gera uma interação precária entre profissionais e pacientes, na qual os aspectos biomédicos são priorizados em detrimento da biografia do paciente e das suas dimensões. Também impacta negativamente na escuta do paciente. Esse quadro conduz a planos de cuidado que não são implementados, pois não refletem a vontade e as preferências daquele paciente, o que gera dispêndio de recursos e a inefetividade do sistema de saúde. Como alternativa à patologização do cuidado, a Revolução do Paciente propõe um cuidado elegante, de alta definição, responsivo e minimamente disruptivo. 5

A Revolução do Paciente, devido à sua elaboração nos Estados Unidos, tem como contexto um sistema de saúde eminentemente privado e alicerçado na lógica do lucro. No caso do Brasil, em que aproximadamente 75% da população faz uso dos serviços no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a realidade da industrialização ganha contornos diferenciados. Isto é, por um lado, é similar ao contexto estadunidense, pois na esfera dos serviços privados, tem-se questões atinentes à lógica financeira e à operacionalização, mas, por outro, no SUS, a industrialização se caracteriza por questões relacionadas ao financiamento público e à gestão. No entanto, verifica-se em ambos os contextos, no SUS e nos serviços privados, o problema de consultas breves, pacientes e profissionais sobrecarregados e o predomínio do modelo biomédico, assim, os efeitos sobre o paciente e a patologização do cuidado se assemelham ao quadro descrito por Montori e colaboradores.

Desse modo, seja no SUS ou nos serviços privados, a transformação da industrialização do cuidado para o cuidado zeloso e gentil implica a mudança do foco para o cuidado, que ainda é denominado de “assistência”, o qual ainda não está no cerne das políticas públicas e institucionais. Conforme a Revolução do Paciente, não são longas consultas que irão trazer soluções, mas sim a eliminação de distratores de atenção nas interações clínicas, a presença plena e o envolvimento cognitivo e emocional de profissionais e pacientes. Ainda, destaca-se a construção de planos de cuidado que levem em conta a vida daquele paciente, a sua rotina, o seu trabalho, onde mora e a sua renda, evitando acarretar demandas e encargos excessivos para o paciente. Além disso, o cumprimento de protocolos, checklists e outros procedimentos é importante, mas não de pode perder de vista que a finalidade do cuidado é o paciente e que o profissional deve ser responsivo às necessidades de cada paciente em particular.

Como se nota, a Revolução do Paciente pressupõe um compromisso ético de profissionais, pacientes, familiares, líderes e gestores, ou seja, de toda a sociedade brasileira. É fato que o modelo atual se encontra em crise e com o envelhecimento vertiginoso da população, essa crise irá se acentuar, assim, precisamos de uma revolução, que a passos lentos está em curso, mas é necessário apressá-la.

1 RICHARDS, Tessa et al. Let the patient revolution begin. BMJ 2013;346: f2614.

2 MONTORI, Victor. Why we Revolt: a patient revolution for careful and kind care. Rochester, MN, USA: Patient Revolution, 2017.

3 ALWOOD, Dominique et al. Leadership for careful and kind care. BMJ Leader 2021; 0:1–5.

4 ALWOOD, Dominique et al. Leadership for careful and kind care. BMJ Leader 2021; 0:1–5

5 ALWOOD, Dominique et al. Leadership for careful and kind care. BMJ Leader 2021; 0:1–5.

A revolução do paciente no Brasil

Aline Albuquerque, aqui no Blog.
Professora do Programa de Pós-Graduação em Bioética da Universidade de Brasília. Coordenadora do Observatório Direitos do Paciente da Universidade de Brasília. Pesquisadora Visitante na Universidade de Oxford. Pós-doutorado pela Universidade de Essex. Doutorado em Ciências da Saúde. Autora dos livros Bioética e Direitos Humanos, Direitos Humanos dos Pacientes e Capacidade Jurídica e Direitos Humanos. Membro da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente. Membro do Comitê Hospitalar de Bioética do Grupo Hospitalar Conceição e do Comitê Hospitalar de Bioética do Hospital de Apoio de Brasília. Membro do Redbioética da UNESCO.

O que você achou deste conteúdo? Conte nos comentários sua opinião sobre: A revolução do paciente no Brasil.

Share This