Os Comitês de Bioética Clínica ou Comitês Hospitalares de Bioética, que surgiram na década de sessenta nos Estados Unidos, possuem três funções precípuas: função pedagógica, que diz respeito ao desenvolvimento de atividades educativas; função institucional, que implica a atuação na formulação e na implementação de políticas institucionais; função de resolução de conflitos éticos, que envolve a análise e a deliberação relativas a questões éticas que emergem da prática clínica. Atualmente, os Comitês Hospitalares de Bioética fazem parte das organizações de saúde em vários países do mundo, inclusive no Brasil.
Tradicionalmente, no contexto da Bioética brasileira, os Comitês Hospitalares de Bioética fazem uso do Principialismo, teoria que se estrutura com base em quatro princípios – princípio do respeito à autonomia, da beneficência, da não maleficência e da justiça, bem como em modelos de deliberação ética que se fundamentam nas formulações de Diego Gracia. Desse modo, tendo em conta que o Principialismo se conjuga com a ideia de que o papel da Bioética é contribuir para a resolução de dilemas éticos, a função de análise de conflitos éticos dos Comitês Hospitalares de Bioética brasileiros é a que vigora.
Nesse sentido, esse papel dos Comitês Hospitalares de Bioética converge com a “Bioética da Excepcionalidade ou dos Casos Dilemáticos”, isto é, a Bioética tem como foco questões complexas e excepcionais, deixando de lado problemas éticos que emergem do cotidiano da prática clínica, como os relacionados à comunicação e aos direitos do paciente. Em consequência, as demais funções dos Comitês Hospitalares de Bioética são negligenciadas. Por exemplo, a função pedagógica dos Comitês Hospitalares de Bioética que se atrela ao desenvolvimento de competências éticas dos profissionais de saúde para o dia a dia da clínica não é valorizada. Igualmente, a função dos Comitês Hospitalares de Bioética de atuar na política institucional das organizações de saúde, como a de participar da construção de ferramentas de melhoria da tomada de decisão em saúde, como a Tomada de Decisão Compartilhada, a Tomada de Decisão Apoiada e Plano Avançado de Cuidado, também não é priorizada.
Assim, as funções dos Comitês Hospitalares de Bioética precisam ser equanimemente valorizadas, na medida em que para os pacientes importa muito mais ter uma organização de saúde em que os profissionais lhes tratam de forma respeitosa e seus direitos são assegurados, quando se coteja com a função de análise de conflitos éticos. Até mesmo porque em grande medida, esses conflitos derivam muitas vezes da não aceitação do direito do paciente de ser o decisor último.
Portanto, para que os Comitês Hospitalares de Bioética tenham a sua importância reconhecida é preciso que desempenhem as suas três funções, o que deve ser de forma consentânea com o endosso do protagonismo dos pacientes, seja quanto à promoção de atividades educativas direcionadas aos pacientes/familiares, à incorporação da sua perspectiva nas políticas institucionais e à sua participação no processo de deliberação ética. Nesse sentido, quanto a tal ponto, destaca-se que Annas e Grodin, em artigo publicado no AMA Journal of Ethics, afirmaram que os Comitês Hospitalares de Bioética têm um papel essencial no desenvolvimento de políticas institucionais e na educação com vistas à promoção dos direitos do paciente e do cuidado em saúde de qualidade1.
1 ANNAS, George; GRODIN, Michael. Hospital Ethics Committees, Consultants, and Courts. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27213888/.