No ano de 2024, para o Dia Mundial da Segurança do Paciente, a OMS escolheu o tema “Melhorar o diagnóstico para a segurança do paciente”, cujo lema é “Diagnósticos corretos, pacientes seguros”. A OMS objetiva chamar a atenção para a importância de diagnosticar corretamente e em tempo oportuno, de modo a garantir a segurança do paciente e alcançar melhores resultados clínicos1.
A obtenção do diagnóstico correto é um aspecto essencial dos cuidados em saúde, na medida em que fornece uma explicação do problema de saúde do paciente e informa as decisões subsequentes no processo terapêutico. Erros de diagnóstico podem causar danos aos pacientes ao obstar ou atrasar o tratamento apropriado, fornecer tratamento desnecessário ou prejudicial, além disso pode acarretar repercussões psicológicas ou financeiras para o paciente. No ano de 2015, o Committee on Diagnostic Error in Health Care, nos Estados Unidos, ao elaborar o Improving Diagnosis in Health Care2, conferiu ao paciente uma centralidade até então inexistente, incluindo a sua perspectiva e a falta de comunicação do diagnóstico ao paciente como uma forma de erro3.O relatório Improving Diagnosis in Health Care é uma continuação dos relatórios históricos do Instituto de Medicina, To Err Is Human (2000) e Crossing the Quality Chasm (2001)4. O relatório contou também com a participação do Instituto de Medicina e do The National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine (NASEM).
No relatório Improving Diagnosis in Health Care, o erro de diagnóstico é definido como a falha em (a) estabelecer uma explicação precisa e oportuna do(s) problema(s) de saúde do paciente ou (b) comunicar essa explicação ao paciente. A definição emprega uma perspectiva centrada no paciente porque o risco final da ocorrência dos danos decorrentes dos erros de diagnóstico é suportado pelos pacientes5.
Ao longo do relatório, é sublinhada a importância da escuta do paciente para a prevenção do erro de diagnóstico. O envolvimento do paciente no processo de diagnóstico é facilitado quando os profissionais se comunicam com os pacientes sobre seu histórico, escutando ativamente as descrições dos pacientes sobre os motivos da consulta.6
A comunicação paciente-médico também pode ser melhorada usando uma linguagem clara e simples, encorajando perguntas, escutando ativamente, permitindo que o paciente fale sem interrupção e respondendo às emoções do paciente. Essas técnicas também podem ajudar alguns pacientes a superarem o medo de discutir suas preocupações e se tornarem mais propensos a compartilhar aspectos da sua intimidade que podem fornecer informações valiosas para o processo de diagnóstico. Se os pacientes estiverem estressados ou ansiosos, eles podem ser menos propensos a falar com precisão sobre seus sintomas e preocupações relativas à sua saúde7.
Nesse sentido, segundo a Agency For Healthcare Research And Quality8, as rupturas na relação entre profissional e paciente são um fator contribuinte significativo para casos de erro de diagnóstico.Como tal, os esforços para reduzir erros de diagnóstico levaram a aumento de investigações sobre as perspectivas dos pacientes. Estas têm sido na forma de análise das queixas dos pacientes e de métodos para capturar suas preferências e perspectivas.
O envolvimento do paciente no processo de diagnóstico tem sido reconhecido como necessário e há um crescimento dos esforços no sentido da adoção de estratégias de comunicação centradas no paciente. Isso inclui estratégias para melhorar a interação e garantir que o letramento em saúde e as necessidades linguísticas dos pacientes sejam consideradas9.Na Austrália, a Clinical Excellence Commission, estabeleceu a imperiosidade da escuta do paciente por parte dos profissionais. 10
A despeito do reconhecimento paulatino de que a escuta do paciente é fundamental no enfrentamento dos erros de diagnóstico, estudos e a experiência de pacientes apontam para a incipiência das habilidades comunicacionais de profissionais e a baixa prontidão para escutar atentamente os pacientes. Um estudo verificou que os médicos interrompiam os pacientes após uma média de apenas 11 segundos, e que os pacientes que não foram interrompidos falavam apenas por uma média de seis segundos11. Outro estudo constatou que, embora os clínicos em hospitais dos Estados Unidos usassem amplamente o exame físico e o histórico do paciente para chegar ao diagnóstico, eles gastavam apenas 12% do seu tempo interagindo diretamente com o paciente e sua família durante a consulta12.
Desse modo, embora muitos profissionais sejam positivos sobre o envolvimento com seus pacientes, há indícios de que alguns podem ser resistentes ao envolvimento ativo do paciente. Verifica-se que, nas interações com pacientes, certos comportamentos dos profissionais podem desencorajar a comunicação e o envolvimento do paciente, incluindo a rejeição das queixas do paciente e do seu conhecimento acerca dos seus sintomas, não escutá-lo ou interromper frequentemente.13
Portanto, neste Dia Mundial da Segurança do Paciente, é imperioso conscientizar profissionais de saúde, pacientes e familiares, além de líderes e gestores, de que escutar o paciente de forma atenta é um comportamento indispensável para se alcançar a acurácia do diagnóstico. Como disse William Osler, “escute o paciente, ele está falando o diagnóstico para você”.
1 WORLD HEALTH ORGANIZATION. World Patient Safety Day, 17 September 2024: “Improving diagnosis for patient safety”. Disponível em: https://www.who.int/news-room/events/detail/2024/09/17/default-calendar/world-patient-safety-day-17-september-2024-improving-diagnosis-for-patient-safety. Acesso em: 15 set. 2024.
2 GIARDINA, Traber D. et al. Defining Diagnostic Error: A Scoping Review to Assess the Impact of the National Academies Report Improving Diagnosis in Health Care. J Patient Safety, v. 18, n. 8, 2022, p. 770–778.
3 GIARDINA, Traber D. et al. Defining Diagnostic Error: A Scoping Review to Assess the Impact of the National Academies Report Improving Diagnosis in Health Care. J Patient Safety, v. 18, n. 8, 2022, p. 770–778.
4 COMMITTEE ON DIAGNOSTIC ERROR IN HEALTH CARE; BOARD ON HEALTH CARE SERVICES; INSTITUTE OF MEDICINE; THE NATIONAL ACADEMIES OF SCIENCES, ENGINEERING, AND MEDICINE. IMPROVING DIAGNOSIS IN HEALTH CARE. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK338596/. Acesso em: 15 set. 2024.
5 COMMITTEE ON DIAGNOSTIC ERROR IN HEALTH CARE; BOARD ON HEALTH CARE SERVICES; INSTITUTE OF MEDICINE; THE NATIONAL ACADEMIES OF SCIENCES, ENGINEERING, AND MEDICINE. IMPROVING DIAGNOSIS IN HEALTH CARE. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK338596/. Acesso em: 15 set. 2024.
6 COMMITTEE ON DIAGNOSTIC ERROR IN HEALTH CARE; BOARD ON HEALTH CARE SERVICES; INSTITUTE OF MEDICINE; THE NATIONAL ACADEMIES OF SCIENCES, ENGINEERING, AND MEDICINE. IMPROVING DIAGNOSIS IN HEALTH CARE. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK338596/. Acesso em: 15 set. 2024.
7 COMMITTEE ON DIAGNOSTIC ERROR IN HEALTH CARE; BOARD ON HEALTH CARE SERVICES; INSTITUTE OF MEDICINE; THE NATIONAL ACADEMIES OF SCIENCES, ENGINEERING, AND MEDICINE. IMPROVING DIAGNOSIS IN HEALTH CARE. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK338596/. Acesso em: 15 set. 2024.
8 AGENCY FOR HEALTHCARE RESEARCH AND QUALITY. Current State of Diagnostic Safety: Implications for Research, Practice, and Policy. Disponível em: https://www.ahrq.gov/diagnostic-safety/resources/issue-briefs/dxsafety-current-state.html. Acesso em: 4 set. 2024.
9 AGENCY FOR HEALTHCARE RESEARCH AND QUALITY. Current State of Diagnostic Safety: Implications for Research, Practice, and Policy. Disponível em: https://www.ahrq.gov/diagnostic-safety/resources/issue-briefs/dxsafety-current-state.html. Acesso em: 4 set. 2024.
10 CLINICAL EXCELLENCE COMMISSION. Diagnostic Error: Learning Resource For Clinicians. Disponível em: https://www.cec.health.nsw.gov.au/__data/assets/pdf_file/0005/305843/Diagnostic-Error-Learning-Resource-for-Clinicians.pdf, Acesso em: 4 set. 2024
11 PHILLIPS, Kari A; OSPINA, Naykky Singh; MONTORI, Victor M. Physicians Interrupting Patients. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6816596/pdf/11606_2019_Article_5247.pdf. Acesso em: 15 set. 2024.
12 AGENCY FOR HEALTHCARE RESEARCH AND QUALITY. Current State of Diagnostic Safety: Implications for Research, Practice, and Policy. Disponível em: https://www.ahrq.gov/diagnostic-safety/resources/issue-briefs/dxsafety-current-state.html. Acesso em: 4 set. 2024.
13 COMMITTEE ON DIAGNOSTIC ERROR IN HEALTH CARE; BOARD ON HEALTH CARE SERVICES; INSTITUTE OF MEDICINE; THE NATIONAL ACADEMIES OF SCIENCES, ENGINEERING, AND MEDICINE. IMPROVING DIAGNOSIS IN HEALTH CARE. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK338596/. Acesso em: 15 set. 2024.