Kalline Carvalho Gonçalves Eler
Aline Albuquerque Sant’Anna de Oliveira
Resumo
O presente artigo tem como objetivo problematizar o assentimento e o consentimento das crianças para participar em pesquisa clínica a partir do reconhecimento da sua capacidade sanitária. Trata-se de pesquisa teórica fundamentada no referencial dos Direitos Humanos das crianças e suas interpretações fornecidas pelo Comitê para os Direitos da Criança das Nações Unidas. Conclui-se que, no âmbito da pesquisa clínica, a capacidade legal, tal como disposta no Código Civil, revela-se inadequada, devendo ser substituída pela concepção de capacidade sanitária, de modo que o assentimento e o consentimento das crianças se tornem não apenas uma exigência ética, mas uma obrigação jurídica dos pesquisadores.
Palavras-chave: Capacidade civil. Capacidade sanitária. Assentimento. Consentimento. Ética em pesquisa. Direitos das crianças.
Introdução
A participação das crianças em pesquisas é uma realidade que remonta ao século XVIII e persiste até os dias atuais (BOCANEGRA, 2010), sendo o assentimento da criança para participar de pesquisas exigência ética que se encontra na maioria das diretrizes nacionais e internacionais. No entanto, apesar da existência de regulações nesse sentido, veri ca-se que não há consenso a respeito do que realmente constitui o assentimento, seus elementos e qual seria a idade mínima para assentir. Igualmente, não se observa, nas regulações existentes no Brasil e em países como os Estados Unidos, a possibilidade das crianças consentirem em pesquisa clínica, havendo apenas a previsão do assentimento.
Diante desse panorama, o presente artigo tem como objetivo problematizar o assentimento e o consentimento das crianças para participar em pesquisa clínica a partir do reconhecimento da sua capacidade sanitária.
No âmbito dos cuidados em saúde e da pesquisa clínica, a capacidade legal, tal como disposta no Código Civil brasileiro de 2002, revela-se inadequada, posto que, estando ainda atrelada a uma competência cognitiva rígida e in exível, expropria pacientes e participantes de pesquisa taxados como civilmente incapazes, e, por consequência, declarados inaptos para o exercício da autonomia em relação ao próprio corpo.
Neste artigo, adota-se o termo criança para os menores de 18 anos conforme a de nição empregada pela Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989) em seu primeiro artigo. No ordenamento jurídico brasileiro, esses menores são considerados incapazes e sua representação ou assistência legal estão, tradicionalmente, justi cadas pela obrigação do Estado e da sociedade de protegê-los.
O dever de proteção, contudo, precisa ser conjugado com o princípio do melhor interesse e com o direito à participação, pois con guram princípios fundamentais que sustentam as demais provisões da Convenção e proveem uma estrutura forte para uma perspectiva centrada na criança, de acordo com Comentário Geral n. 5 (ONU, 2003).
Sendo assim, este artigo baseia-se em pesquisa teórica fundamentada no referencial dos Direitos Humanos das crianças e suas interpretações, fornecidas pelo Comitê para os Direitos da Criança das Nações Unidas, por meio de seus Comentários Gerais. Ainda foram utilizados artigos que versaram especi camente sobre o assentimento de crianças na pesquisa.
Este artigo se inicia com a sintetização do percurso histórico da pesquisa envolvendo crianças, pois, apesar de esse tema ser amplamente abordado na literatura bioética quanto à pesquisa clínica em adultos, o mesmo não se pode dizer acerca dos acontecimentos que marcaram a ética em pesquisa envolvendo crianças.
Em seguida, passa-se a análise do direito à participação e do princípio do melhor interesse da criança, conforme o referencial constante da Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989). Dando sequência, discorre-se sobre o conceito de capacidade sanitária e sua co-relação com o assentimento de crianças em ensaios clínicos.