O caso do procedimento de peeling com fenol: precisamos falar sobre segurança do paciente

Atualizado em 12/06/2024
Por Aline Albuquerque

O caso do procedimento de peeling com fenol: precisamos falar sobre segurança do paciente

Atualizado em 12/06/2024
Por Aline Albuquerque

O caso do procedimento de peeling com fenol: precisamos falar sobre segurança do paciente

Aline Albuquerque

Na semana passada, o caso de Henrique Chagas chamou a atenção de todo o país. Natalia Becker, que se autointitula influencer e dona de um Studio de Estética, realizou um procedimento de peeling com fenol no rosto de Henrique Chagas, que morreu após o procedimento estético. A morte de Henrique Chagas está sendo investigada pela Polícia Civil do Estado de São Paulo1.

Embora Henrique Chagas não estivesse sob cuidados de um profissional de saúde, mas sim de uma pessoa que não tinha formação para a realização desse tipo de procedimento, o seu caso nos faz refletir sobre a importância da segurança do paciente, enquanto um tema de interesse de toda a sociedade.

A segurança do paciente, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, abarca uma série de atividades organizadas que criam culturas, processos, procedimentos, comportamentos, tecnologias e ambientes em cuidados de saúde que, consistente e sustentavelmente, reduzem riscos e a ocorrência de danos evitáveis, tornam os erros menos prováveis e mitigam o impacto do dano2. Em linhas gerais, a segurança do paciente diz respeito à redução de riscos e de danos evitáveis associados a tratamentos, procedimentos, exames e medicamentos.

É importante conscientizar a população de que a segurança do paciente, como a saúde e a segurança pública, é um interesse social, ou seja é interesse da sociedade brasileira que qualquer pessoa não morra em decorrência de efeitos indesejados e inesperados associados a procedimentos de saúde. A segurança do paciente, sob essa ótica, deve ser compreendida como um interesse que pode estar acima dos direitos individuais, como o direito à autonomia profissional e o direito das pessoas de buscar tratamentos e procedimentos.

No mundo de hoje, no qual os procedimentos estéticos foram banalizados, é mais do que necessário falar sobre segurança do paciente. As pessoas precisam estar cientes de que tais procedimentos apresentam riscos para que tomem decisões informadas. Além de disso, as ofertas e as escolhas relativas a procedimentos estéticos devem ser limitadas quando houver evidências científicas que justifiquem a atuação estatal em prol da segurança do paciente, enquanto interesse social que se sobrepõe à decisão individual.

Tomar decisões individuais no caso de procedimentos estéticos envolve ser ajudado para que se possa refletir sobre seus riscos e benefícios, e essa ajuda também deve ser provida pelos órgãos e entidades estatais, não apenas pelo profissional. Dessa forma, ajudas para decisões informadas devem ser veiculadas nas páginas dos órgãos e das entidades estatais que têm o dever de garantir a segurança do paciente no país, como o Ministério da Saúde. Por exemplo, na página no National Health Service (NHS), o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, encontramos:

O que pensar antes de fazer peelings químicos.

Se você está pensando em fazer peelings químicos, deixe claro porque os deseja.

Leia mais sobre como decidir se um procedimento cosmético é adequado para você.”

Ao clicar no “Leia mais”, a pessoa interessada é remetida para outra página do NHS cujo conteúdo irá apoiá-la a tomar uma decisão informada. Como por exemplo, “Fazer um procedimento cosmético é uma grande decisão, por isso é importante não se apressar em nada. Todos os procedimentos apresentam alguns riscos.” 3

A segurança do paciente deveria ser objeto de uma política nacional, com orçamento próprio e uma estrutura conformada por cargos no Ministério da Saúde, de modo a concretizar o interesse social que está em seu cerne. Em decorrência da política, campanhas de informação seriam realizadas e informações disponibilizadas, como aquelas que se encontram no site do NHS.

Embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) tenha se pronunciado no sentido de ampliar a fiscalização da venda de fenol na internet e do Conselho Federal de Medicina ter emitido Nota quanto ao crime de exercício ilegal da Medicina no caso de Henrique Chagas4, verifica-se que pouco se fala sobre segurança do paciente, como um interesse social a ser propagado, e a importância de que as pessoas sejam conscientizadas para tomarem decisões informadas sobre procedimentos estéticos.

A banalização dos procedimentos estéticos precisa ser revertida com mais informação, o que envolve falar de riscos e danos. As promessas de juventude eterna e de beleza inigualável fazem parte da nossa história, precisamos trazer contrapontos para reequilibrar a balança, como a consciência sobre os danos e a morte associados aos procedimentos estéticos, o que é tarefa da segurança do paciente, enquanto política estatal.

Portanto, cada vez mais a segurança do paciente tem o papel, nas sociedades contemporâneas, de gerar maior capacidade de decisão informada e reflexão crítica sobre imperativos da lógica do consumo.

1 O GLOBO. Peeling de Fenol: substância que matou homem em clínica de influencer não pode ser vendida na internet, diz Anvisa. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/06/08/peeling-de-fenol-substancia-que-matou-homem-em-clinica-de-influencer-nao-pode-ser-vendida-na-internet-diz-anvisa.ghtml.

2 WHO. Global Patient Safety Action Plan 2021–2030: Towards eliminating avoidable harm in health care. Disponível em: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/343477/9789240032705-eng.pdf?sequence=1. Acesso em:10 jun. 2024.

3 NHS. Disponível em: https://www.nhs.uk/conditions/cosmetic-procedures/advice/cosmetic-procedure-right-for-me/.

4 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/wp-content/uploads/2024/06/CFM-DERMATOLOGICOS-PROCEDIMENTOS.pdf.

O caso do procedimento de peeling com fenol: precisamos falar sobre segurança do paciente

Aline Albuquerque, aqui no Blog.
Professora do Programa de Pós-Graduação em Bioética da Universidade de Brasília. Coordenadora do Observatório Direitos do Paciente da Universidade de Brasília. Pesquisadora Visitante na Universidade de Oxford. Pós-doutorado pela Universidade de Essex. Doutorado em Ciências da Saúde. Autora dos livros Bioética e Direitos Humanos, Direitos Humanos dos Pacientes e Capacidade Jurídica e Direitos Humanos. Membro da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente. Membro do Comitê Hospitalar de Bioética do Grupo Hospitalar Conceição e do Comitê Hospitalar de Bioética do Hospital de Apoio de Brasília. Membro do Redbioética da UNESCO.

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