Disclosure na saúde: a segunda vítima e o apoio de pares

Atualizado em 26/07/2024
Por Aline Albuquerque

Disclosure na saúde: a segunda vítima e o apoio de pares

Atualizado em 26/07/2024
Por Aline Albuquerque

Disclosure na saúde: a segunda vítima e o apoio de pares

O disclosure na saúde, entendido como um conjunto de medidas, comunicacionais, reparatórias e restaurativas, baseado numa abordagem compreensiva e empática1, também abarca o conceito de segunda vítima, introduzido por Albert Wu, em 2000. Recentemente, um grupo internacional de especialistas estabeleceu uma definição consensual de segunda vítima: “qualquer profissional de saúde que esteja direta ou indiretamente envolvido em um evento adverso inesperado para o paciente, erro de saúde ou lesão do paciente, e que se torna vítima no sentido de que também é impactado negativamente”.2 Com efeito, a segunda vítima é qualquer profissional de saúde envolvido em um evento adverso e que vivenciou sofrimento emocional ou físico. O fenômeno é bastante comum, há prevalência do sofrimento da segunda vítima de aproximadamente 30%, variando de 10,4% a 43,3%3 e esse sofrimento pode se apresentar como uma ampla gama e intensidade de emoções4.

A segunda vítima apresenta respostas emocionais negativas, tais como culpa, vergonha, ansiedade e raiva, o que pode levar a uma redução do seu senso de autoconfiança e aumentar o seu isolamento no ambiente laboral. Tais respostas emocionais podem ocorrer imediatamente ou anos após a exposição ao evento, causando danos à saúde física e mental, incluindo dores de cabeça, distúrbios do sono, distúrbios alimentares, depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático. Ainda, a segunda vítima pode recorrer ao uso abusivo de álcool e outras drogas como mecanismo de enfrentamento, e pode até mesmo tentar o suicídio. Igualmente, o impacto negativo do evento e da redução da autoconfiança profissional podem conduzir à adoção de práticas defensivas, evitação e abandono do local de trabalho e da profissão.5

Considerando os impactos negativos do evento adverso sobre a segunda vítima, é essencial que a implantação do disclosure em uma organização de saúde envolva a estruturação de um Programa de Apoio de Pares. O Apoio de Pares é constituído pelo apoio entre pessoas que têm uma experiência vivida em comum, isto é, colegas de trabalho, que tiveram experiências semelhantes, fornecem apoio, melhorando a saúde mental de seus pares e ajudando-os na recuperação. Os apoiadores de pares são capacitados para fornecer apoio empático, mas não integram o Apoio de Pares como profissionais, logo, não diagnosticam condições de saúde mental ou recomendam tratamentos específicos.6 Segundo a Associação Americana de Anestesiologia, o Apoio de Pares inclui a escuta ativa e a validação das reações emocionais relacionadas a um evento com o propósito de fornecer perspectiva e contexto, visando ajudar o profissional a processar o ocorrido e a curar-se7.

Retomando o conceito de disclosure na saúde, com os quais estamos trabalhando, isto é, um conjunto de medidas, comunicacionais, reparatórias e restaurativas, baseado numa abordagem compreensiva e empática8, não há como implantar o disclosure em uma dada organização de saúde sem se levar em conta a segunda vítima e a necessidade de institucionalização do seu apoio. Recomenda-se a adoção de um Programa de Apoio de Pares, para além de outras medidas, notadamente as que dizem respeito à abordagem não punitiva e à segurança psicológica.

Portanto, tratar o disclosure como um mero protocolo ou passos a serem seguidos não é adequado, a sua complexidade não pode ser ocultada ou mitigada. Assim, há que se inserir no disclosure na saúde, enquanto um dos seus elementos constituintes, as medidas adotadas pela organização de saúde para apoiar a segunda vítima.

1 ALBUQUERQUE, Aline. O disclosure na saúde não é um protocolo: o disclosure é um conjunto de medidas comunicacionais, reparatórias e restaurativas. Disponível em: https://ibdpac.com.br/o-disclosure-na-saude-nao-e-um-protocolo-o-disclosure-e-um-conjunto-de-medidas-comunicacionais-reparatorias-e-restaurativas/.

2 COHEN, Rinat el al. Nurses’ Silence: Understanding the Impacts of Second Victim Phenomenon among Israeli Nurses. Healthcare 2023, 11, 1961.

3 LIUKKA, Mari. Action after Adverse Events in Healthcare: An Integrative Literature Review. Int. J. Environ. Res. Public Health 2020, 17, 4717.

4 LIUKKA, Mari. Action after Adverse Events in Healthcare: An Integrative Literature Review. Int. J. Environ. Res. Public Health 2020, 17, 4717

5 COHEN, Rinat el al. Nurses’ Silence: Understanding the Impacts of Second Victim Phenomenon among Israeli Nurses. Healthcare 2023, 11, 1961.

6 CANADIAN PATIENT SAFETY INSTITUTE. Creating a Safe Space Strategies to Address the

Psychological Safety of Healthcare Workers. Disponível em: https://www.healthcareexcellence.ca/media/eyihzd5c/creating-a-safe-space-manuscript-final-ua.pdf.

7 AMERICAN SOCIETY OF ANESTHESIOLOGIST. Statement on Peer Support After Unexpected Outcomes – Treatment of the “Second Victim”. Disponível em: https://www.asahq.org/standards-and-practice-parameters/statement-on-peer-support-after-unexpected-outcomes—treatment-of-the-second-victim,

8 ALBUQUERQUE, Aline. O disclosure na saúde não é um protocolo: o disclosure é um conjunto de medidas comunicacionais, reparatórias e restaurativas. Disponível em: https://ibdpac.com.br/o-disclosure-na-saude-nao-e-um-protocolo-o-disclosure-e-um-conjunto-de-medidas-comunicacionais-reparatorias-e-restaurativas/.

Disclosure na saúde: a segunda vítima e o apoio de pares

Aline Albuquerque, aqui no Blog.
Professora do Programa de Pós-Graduação em Bioética da Universidade de Brasília. Coordenadora do Observatório Direitos do Paciente da Universidade de Brasília. Pesquisadora Visitante na Universidade de Oxford. Pós-doutorado pela Universidade de Essex. Doutorado em Ciências da Saúde. Autora dos livros Bioética e Direitos Humanos, Direitos Humanos dos Pacientes e Capacidade Jurídica e Direitos Humanos. Membro da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente. Membro do Comitê Hospitalar de Bioética do Grupo Hospitalar Conceição e do Comitê Hospitalar de Bioética do Hospital de Apoio de Brasília. Membro do Redbioética da UNESCO.

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