NELMA MELGAÇO
A demência afeta mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, com cerca de 10 milhões de novos casos anualmente. Esta doença pode resultar aproximadamente 200 condições diferentes, mas as mais comuns são a doença de Alzheimer, demência vascular, demência de corpos de Lewy e demência frontotemporal. Embora as manifestações clínicas da demência sejam sempre exclusivas da pessoa, a doença é tipicamente caracterizada por perda de memória de curto prazo, dificuldades de comunicação, declínio funcional progressivo, alterações de personalidade e angústia.
A literatura empírica demonstra que a pessoa com demência prefere estar ativamente envolvida em decisões que afetam sua vida, entretanto, o que se observa é o paciente sendo marginalizado, ignorado ou excluído do processo de tomada de decisão. Infelizmente, mesmo em estágios iniciais da demência, quando habilidades cognitivas significativas ainda permanecem, o que se atesta é o impedimento da participação do paciente nas decisões clínicas e o impacto negativo no seu bem-estar. Diante desse cenário muitos pacientes reclamam de não serem reconhecidos como pessoas, em vez disso, sentem-se como objetos.,
É digno de nota que com o advento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2007, ratificada por 182 Estados, inclusive pelo Estado brasileiro, a Tomada de Decisão Apoiada (TDA) foi proposta como uma das formas de oferecer, a quem precisa, um mecanismo de suporte às suas decisões. A TDA consiste em mecanismos formais e comunitários que proporcionam apoios de tomada de decisão, garantindo o direito à autodeterminação para todos, inclusive pessoas com demência.
O conceito de TDA surgiu no Canadá, na década de 1990, mas a CDPD inaugurou uma nova fase para a TDA ao alçá-la ao status de direito humano, ao prever, em seu artigo 12, que os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitam no exercício de sua capacidade jurídica. Desse modo, de acordo com o referido artigo, o exercício da capacidade jurídica, que implica a capacidade legal – titularidade do direito – e a agência legal – exercício do direito–, pode envolver a TDA, enquanto apoio para pessoas com deficiência, com a finalidade de permitir-lhes a condução da própria vida e a tomada de decisão. Ocorre que as inabilidades decisionais que afetam a tomada de decisão não dizem respeito apenas às pessoas com deficiência intelectual, mas podem envolver, por exemplo, paciente desorientados, pessoas com demência ou pessoas com transtornos mentais que precisam ser apoiadas para tomar decisões.
Desse modo, a TDA deve ter também, como seu fundamento legal, além do art. 12 da CDPD, o artigo 17 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que estabelece o direito à privacidade, do qual decorre o direito à autodeterminação e de condução da própria vida, conforme sua vontade e preferências. Portanto, a TDA deve ser vista com um mecanismo de efetivação do direito à autodeterminação, o qual é um prenunciador de repercussões positivas para a vida da pessoa apoiada, como a sua empregabilidade e a participação comunitária. Com efeito, a TDA parte da acepção de que uma vez verificada a inabilidade decisional, não se deve negar a oportunidade de tomar decisões sobre a própria vida, mas sim apoiar a pessoa para que ela ganhe confiança e promover a sua habilidade decisional.
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