Ao me deparar com a nova publicação da Joint Commission International (JCI) sobre os Padrões de Acreditação para Hospitais1, eu tive uma grata surpresa com um capítulo completo sobre os direitos do paciente, aquele destinado ao Cuidado Centrado no Paciente (CCP)2. Esse capítulo da publicação da JCI é extraordinário, pois demarca a relação intrínseca entre o CCP e os direitos do paciente e estabelece modos de implementação de tais direitos. Além disso, a JCI sustenta que os hospitais devem proteger e promover os direitos do paciente, sinalizando aquilo que o Instituto Brasileiro de Direito do Paciente (IBDPAC), desde a sua criação, vem defendendo: não existe cuidado em saúde de qualidade sem respeito aos direitos do paciente.
Eu não pretendo abordar todos os Padrões da JCI, em geral, até mesmo porque meus conhecimentos são limitados acerca da miríade de temas tratados, mas tão somente enfatizar que, quanto ao capítulo sobre CCP, todos os hospitais, públicos e privados, devem se balizar por tais Padrões, pois são factíveis e sustentáveis. Com efeito, o capítulo mencionado trata de processos fundamentais para o efetivo respeito aos direitos dos pacientes, os quais são passíveis de serem adotados por quaisquer hospitais, como, por exemplo, fornecer aos pacientes um folheto sobre os seus direitos e colocar na parede posteres informativos enumerando os direitos dos pacientes. Importante destacar que o binômio equivocado “direitos e deveres dos pacientes”, que já foi objeto da nossa análise3, não está presente na publicação da JCI, corroborando a nossa posição.
Quanto ao elenco dos direitos do paciente constantes da publicação da JCI, são destacados os seguintes: direito ao consentimento informado, direito de apresentar uma queixa e à sua solução justa, direito de recursar ou interromper tratamentos, direito de ser informado sobre eventos adversos, direito de ser informado sobre diagnóstico, prognóstico, riscos e benefícios e cursos de ação, direito de identificar seu decisor substituto ou apoiador, direito de decidir sobre quem terá acesso às suas informações pessoais, direito de participar do seu cuidado e da tomada de decisão, direito de acesso ao prontuário e de corrigi-lo, direito à privacidade em consultas, exames, procedimentos e internações e direito de solicitar segunda opinião.4 Observa-se que o elenco da publicação da JCI abarca a maior parte dos direitos dos pacientes, ofertando para os hospitais uma lista coerente e adequada acerca de tais direitos.
Para além de enunciar os direitos do paciente, extrai-se da publicação da JCI que os hospitais devem contar com uma Política Institucional de Direitos do Paciente visando, essencialmente: informar os pacientes sobre os seus direitos; capacitar as equipes de saúde para promover e respeitar os direitos dos pacientes; e adotar processos, ferramentas e diretrizes de modo a efetivá-los na prática cotidiana do hospital.
Para tanto, é necessário delinear estratégias de divulgação dos direitos dos pacientes, tais como: documento informativo fornecido durante a admissão ou registro; folheto entregue aos pacientes durante a admissão ou registro; pôsteres nas áreas de admissão, registro ou espera do paciente; e disponibilização da Política Institucional de Direitos do Paciente para as equipes de saúde.
Ainda, no contexto da Política Institucional de Direitos do Paciente, alguns processos, diretrizes ou protocolos devem ser adotados. Sendo assim, o hospital deve contar com: (a) Processo de Consentimento Informado; (b) Política de Disclosure; (c) Sistema de Queixa e Resolução Justa; (d) Processo de Busca de Segunda Opinião e Times de Resposta Rápida; (e) Diretrizes sobre Diretivas Antecipadas, Representante do Paciente, Inclusão de Familiares no Processo de Tomada de Decisão e Acesso ao Prontuário do Paciente; (f) Conselho de Pacientes; (g) Comitê Hospitalar de Bioética; (h) Política de Proteção de Dados Pessoais. Nota-se que efetivar os direitos dos pacientes não é algo trivial, implica um compromisso da liderança e uma profunda mudança de cultura e de gestão.
Particularmente, quanto ao direito ao consentimento informado, que se tornou um mero papel assinado pelo paciente na admissão dos hospitais quando irá realizar algum procedimento, deve ser concebido como um processo, definido pelo hospital, e conduzido por equipe capacitada. Logo, constata-se que, atualmente por todo o país, inexiste o respeito ao direito ao consentimento informado. E, tratando-se do disclosure, ainda não implementado na maior parte dos hospitais do Brasil, a JCI é explícita quanto ao direito do paciente e do familiar de serem comunicados sobre eventos adversos, descabendo aos hospitais escondê-los ou negá-los ou aguardar que os pacientes/familiares acionem a Ouvidoria para realizar o disclosure reativo.
O capítulo da publicação da JCI é um excelente guia para nortear hospitais, públicos e privados, no caminho da efetivação dos direitos do paciente. Importante ressaltar, ademais, que a JCI assenta que é responsabilidade dos hospitais proteger os direitos dos pacientes, o que os impele a não apenas informar os pacientes, o que é feito em alguns hospitais no Brasil por meio de posteres de “direitos e deveres dos pacientes”, mas a fazer muito mais. Isto é, os hospitais devem provocar uma transformação significativa em sua cultura organizacional e adotar modelos de comportamento para os profissionais de saúde que valorizem aqueles comprometidos genuinamente em prover um cuidado centrado no paciente e em seus direitos.
1 Agradeço ao querido amigo Heleno Costa Júnior, Superintendente do Consórcio Brasileiro de Acreditação por ter me presenteado com a última versão dos Padrões de Acreditação da Joint Commission International para Hospitais.
2 JOINT COMMISSION INTERNATIONAL. Padrões de Acreditação da Joint Commission International para Hospitais. 8. ed. Baltimore: The Joint Commission.
3 https://ibdpac.com.br/por-que-e-equivocado-o-binomio-direitos-e-deveres-dos-pacientes/
4 JOINT COMMISSION INTERNATIONAL. Padrões de Acreditação da Joint Commission International para Hospitais. 8. ed. Baltimore: The Joint Commission.